Começaremos recontando, de forma bastante resumida, a história de nosso país, para contextualizar e entender como chegamos onde estamos. Para maior clareza, o faremos comparando-a, em alguns pontos, com a história dos Estados Unidos, pela simples razão de este ser um país que tem a mesma idade que o nosso, mas que é, sem dúvida, muito mais bem sucedido.
A descoberta:
Todos sabem, ou deveriam sabê-lo, que isso é uma mentira. Como diz um famoso e insignificante personagem do atual cenário político brasileiro, um “trololó”. A América, o continente americano, não foi “descoberto” pelos europeus, mas sim invadido pelos europeus. Todo menino de 1ª série se desconcerta com essa estória, quando a ouve pela primeira vez, com a seguinte pergunta na cabeça: “mas como foi descoberto, se já haviam os índios por aqui? Então quem descobriu foram os índios…” E a professora de história continua, como se nada tivesse acontecido, com o relato do mito inventado para fundar e escamotear nossa história, e aos poucos, aquele menino engole o mito goela abaixo.
Ora, meu querido leitor: os Vikings já haviam navegado até o Canadá; existem mapas árabes do século XI que ilustram perfeitamente o litoral nordeste do Brasil; existem inscrições fenícias em sítios arqueológicos no Brasil; existe cerâmica chinesa, de 3000 anos atrás no Chile; resíduos de cocaína já foram encontrados em múmias egípcias! Essas são só algumas entre tantas evidências de que a existência de terras além do oceano, atlântico ou pacifico, terras habitadas, cultivadas, era conhecida no continente europeu.
Não caro leitor, não foi para provar que a terra era redonda que Colombo empreendeu sua viagem. Que a terra era redonda, já se sabia perfeitamente desde os tempos dos gregos antigos, inclusive, eles já sabiam inclusive qual era o raio da terra, que pode ser facilmente calculado, sem precisar dar a volta no planeta com um navio. Nos tempos de Colombo, só os bobos da corte pensavam que a terra fosse achatada como uma panqueca. Não meu caro leitor, não foi um vento, ou um erro de cálculo, que desviou as embarcações da frota de Cabral para o litoral baiano. Eles não eram tão mal navegadores assim. Foi a corrida pela exploração, contra os espanhóis, o vento que desviou Cabral.
Pois bem… essas palavras iniciais servem só para isso, para estabelecer que o mito da origem do nosso país é uma mentira. E podemos chamá-la agora de mentira fundamental, sobre a qual se construirão tantas outras.
A colonização:
Os portugueses foram mais sortudos: pisaram em solo brasileiro, e encontraram as riquezas que buscavam e uma população relativamente pacífica, ou significativamente inferior em termos bélicos, o que lhes proporcionou uma exploração mais eficiente, desde o primeiro dia. Os espanhóis, especialmente na America central e Andina, tiveram que guerrear mais arduamente para poder roubar o ouro. De um jeito ou de outro, nos dois casos, houve um extermínio quase completo da população nativa e a exploração imediata das riquezas, com consequente escravização nos “preguiçosos” nativos remanescentes.
No Brasil, podemos resumir o processo mais ou menos assim: o rei de Portugal achou uma enorme fazenda, e agora, para administrá-la, dividiu-a em vários pedacinhos, e entregou cada pedacinho a um amigo. São as capitanias hereditárias. Ou seja, o Brasil começa com uma divisão de seu território entre amigos do rei.
Já na America do Norte as coisas foram diferentes. Os ingleses, estimulados por humilhantes derrotas aos espanhóis em águas européias, logo entraram na jogada, afastando estes últimos e ocupando os territórios da costa leste americana. Tais territórios eram relativamente independentes entre si, não um grande fazendão a ser dividido, mas sim várias pequenas fazendinhas independentes umas das outras, mas que, porém, ainda se submetiam à coroa inglesa.
A Independência e a “Independência”:
O movimento para a independência americana, isto é, para se livrar do domínio das cortes européias, nasceu, digamos, de baixo. Podemos até dizer, “do povo”. Trata-se de um processo que envolveu todas as “colônias” (as pequenas fazendinhas), que se uniram contra a coroa inglesa em uma guerra (que se aproveitou dos conflitos entre os ingleses e os franceses). Ou seja, houve uma guerra de fato, cujo motivador era a vontade popular, e cujo objetivo era criar um país que não deveria nada à coroa inglesa, que não se submeteria mais a ela, um país com identidade própria. Venceram a guerra, e a aliança feita para vencê-la criou a união das colônias que agora seria chamada de “Estados Unidos da America”, sob uma constituição criada em conjunto entre os representantes dos vários estados, e que colocaria no governo dessa união não um príncipe, não um imperador, mas um presidente. Teve início o processo de construção de um país, inclusive com sua expansão para o oeste.
Já o movimento para a independência brasileira foi completamente diferente. Cagando de medo de Napoleão, o rei de Portugal e sua corte fugiram para o Rio de Janeiro e lá continuaram suas atividades. Ao passar o perigo napoleônico, o rei retornou para Portugal deixando para trás seu filho, o tal Dom Pedro. Esse, sob a influência dos barões paulistanos do café e de outras iguarias, resolveu que não queria mais “prestar contas ao papai”, e resolveu “declarar independência”. Tirando alguns pequenos conflitinhos armados sem qualquer relevância, o rei de Portugal deixou por isso mesmo, e o príncipe de Portugal, o filho do rei, se declarou imperador, e introduziu em sua corte os barões que lhe garantiram o apoio. Resumindo, nada mudou.
Resumindo mais ainda, absolutamente nada mudou. A única diferença mesmo, de fato, era que ao invés de engordar somente o rei de Portugal e sua corte, a exploração das riquezas do Brasil agora serviria principalmente para engordar o filho do rei e seus barões.
E as coisas continuaram assim, até que se passou à republica, uma metamorfose puramente estética. Basicamente, no lugar do filho do rei, ou do neto do rei, agora viriam os barões, um de cada vez, revezando.
Todo esse processo, que durou alguns séculos, serviu, entre outras coisas, para aumentar o fosso que separava a elite, os barões, suas famílias e seus protegidos, da grande maioria da população, que trabalhava produzindo as riquezas para engordar essa elite. Um fosso material, mas também um fosso cultural.
Enquanto nos EUA se fundavam universidades, no Brasil a elite enviava os filhos para estudar na Europa. Enquanto os EUA crescia, se industrializava e se desenvolvia, o Brasil permanecia inerte, permanecia a grande fazenda dividida entre amigos, com a senzala e a casa grande, apenas com nomes diferentes. Enquanto as elites liam os jornais europeus e se lamentavam de não serem europeus, a grande massa capinava.
Ou seja, no Brasil, nunca ouve uma independência de fato, apenas de direito. Essas mesmas elites continuavam serviçais das cortes européias, e as massas serviçais da elite.
Paralelamente a isso, foi-se criando alguns preconceitos e divisões: “Nós, da elite, somos mais próximos dos europeus que dos outros brasileiros. Estes, são apenas a massa que serve a nossos interesses”. A lógica é muito simples: “Nós servimos aos europeus, e eles, os brasileiros, nos servem”. Basicamente, a elite brasileira se transformou numa espécie de classe intermediária. Os europeus continuavam a explorar as riquezas do Brasil, e essa elite era seu “contato” local, sua ponte, eram aqueles que viabilizavam seus planos - em troca, evidentemente, de alguns favores, de uma “aproximação”, de alguns agrados.
O processo de colonização e exploração das riquezas continuava, apesar de tudo.